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27.8.19

Escritos

"(...) She had always been like that, right from the start. I was so close to her then, after she was born. (...) It stopped then, our closeness to each other. Every now and again I felt a twinge of sadness about it. But that was how kids were, everything came in phases and phases came to an end. Before long they would be grown up and the children they used to be, whom I had loved, would be gone. Even seeing photos of them from as recently as a year before could make me feel sadness at the fact that the children they were then no longer existed. But mostly they took up so much of our lives now and whirled up our days with such intensity there was no room left for such feelings. It was all here and now with them."

The End, Karl Ove Knausgaard

7.8.19

Escritos

Há como que um destino traçado, embora sem data nem hora certa: caminhamos para o abismo. Abismo político (populismos, Brexit, manipulação de votos, etc.) e abismo ecológico (alterações climáticas, dúvidas sobre o que fazer, etc.).
Todos os dias aparecem bons artigos, alguns científicos e outros de opinião, sobre medidas a tomar para combater o que parece inelutável.
Quando a confusão é demasiada, tal como sucede quando não sabemos o que escolher dentre várias possibilidades, devemos perceber o que não queremos. Saber o que não queremos é, de facto, o primeiro passo para a escolha acertada. Eu não sei que comportamento adoptar quanto ao ambiente, mas sei que não quero ignorar este problema. Sei que não devo fazê-lo, mesmo que isso não mude absolutamente nada em termos climáticos, e isso tem consequências: tentar perceber cada dia mais, tentar identificar o que é correcto e incorrecto, adoptar atitudes mais amigas do ambiente e responsáveis para com o planeta.
Já quanto ao cenário político, a coisa é (também) especialmente complexa. As ideologias estão de gatas e pouco há para debater . O assunto tornou-se de certa forma mais rasteiro: em vez de debatermos se queremos a opção A ou a B, temos é de combater quem quer contaminar tudo e todos com fake news e pseudo-notícias que mais não são do que propaganda voluntária e milimetricamente dirigida. Existe um ataque global que importa denunciar e ao qual temos de estar atentos para podermos combater com as armas que temos. Quais são elas? Adoptar, antes de mais, comportamentos defensivos como sair das redes sociais mais expostas (FB, Instagram) e limitar a entrega de dados pessoais (cartões bancários, GPS, moradas, etc.). Por outro lado, estarmos informados, ler, pensar, escrutinar, questionar, estranhar e divulgar na medida do possível o que nos parece mal, tanto como as boas alternativas.
Eu sei muito bem que isto parece conversa da treta e com alguma maluquice à mistura. Aliás, visualizo enquanto escrevo a personagem Travis Bickle do Taxi Driver... Mas infelizmente não é maluquice alguma. É chegado o momento de lutar.
Precisamos é, primeiro, de ganhar consciência disso e, segundo, de saber como fazê-lo.

8.2.19

Deamblogações matinais

"(...) Sherry Turkle, author of Reclaiming Conversation (2015), has found that people initially used texts as an add-on to face-to-face conversation, but the texts soon became a substitute: more convenient, more controllable.

The problem with real conversation, one high-school senior told her, was that "it takes place in real time and you can't control what you're going to say".

Financial Times

Food for thought.

6.2.19

There is only one god. He is the truth. I am the truth. I am god.



YOU no Netflix é uma série que conta a história de Joe Goldberg, funcionário de uma livraria e psicopata e de uma insegura e ninfomaníaca pseudo intelectual chamada Guinevere Beck, por quem aquele ganha uma obsessão perigosa. YOU é desconcertante, divertido, repugnante, melodramático, iconoclasta, profundo e ligeiro, irrealista e verdadeiro, comovente e revelador. É tudo isso, mas YOU é, essencialmente, sobre a mentira. A mentira que está fechada em cada um de nós e com a qual não apenas convivemos mas que alimentamos das mais diversas formas, seja activamente ao dizer o que não é verdade, seja passivamente ao ocultar o que é. É sobre o convívio constante com essa mentira, que nos alimenta e estrutura face aos outros. E é também sobre a inevitável descoberta da verdade depois da queda da máscara e sobre as reacções que isso desperta em nós próprios no confronto com os demais.

Voltarei aqui quando acabar a primeira série.

4.7.18

In memoriam


Morreu Ricardo Camacho, teclista, compositor, produtor da Sétima Legião... e médico. Sempre me fascinou esta capacidade de fazer coisas tão distintas quanto ser músico, tocar em palco, pensar e viver coisas relacionadas com tudo isso e, ao mesmo tempo, numa espécie de nova roupagem, ser-se alguém noutro universo completamente diferente.
Lembro-me muito bem de ter esta sensação com o Ricardo Camacho, que só conhecia por ser quem era. Julgo que é preciso alguma coragem, ao mesmo tempo sentir-se bem por dentro das suas várias peles. De resto, a Sétima Legião é pródiga em situações dessas já que o letrista e teclas Francisco Ribeiro de Menezes é o actual embaixador de Portugal em Espanha...
Desapareceu, pois, assim, mais uma pessoa importante no panorama musical português, alguém por quem não se dava, tamanha era a discrição.
In memoriam, a um deus desconhecido.

21.6.18

Escritos



Acho que já aqui contei que, há bastantes anos atrás, andei muito tempo até conseguir que a música deles me entrasse. Como se alguma coisa não encaixasse e as noções de ritmo e acordes que eu tinha não concordassem com o que era proposto. Até ao dia. E a partir desse dia, foi como se tudo tivesse encontrado o seu lugar. Os neurónios andaram às cabeçadas mas lá acabaram por criar novas sinapses que acolheram o jorro de criatividade que vinha dali.
Passados uns anos, tive uma decepção ao vê-los no Alive, num concerto frio e esquemático, sem grande fulgor. Depois veio o adeus no Madison Square Garden, em mais de 3 horas de música e convidados, com um final apoteótico, cheio de lágrimas por uma despedida fora de tempo e contra-natura. Afinal, porquê? e para quê?, eram as perguntas que se impunham. Só por falta de oportunidade (os bilhetes esgotaram em menos de 15 minutos) não fiz uma total loucura para estar nesse concerto e fiquei triste por nunca ter tido a oportunidade de os ver ao vivo como deve ser, a sentir tudo aquilo que sinto quando os oiço em disco. Mas depois renasceram - como não podia deixar de ser - e o que era o ponto final não foi senão um ponto e vírgula, nem sequer muito longo. Como quase todos, fiquei nessa altura com um sentimento misto entre o contentamento e a desilusão pelo facto de James Murphy ter dado uma golpada mediática (terá sido isso?). Mas rapidamente me passou. Que se lixasse a golpada mediática! O que isso significava era a possibilidade de conseguir concretizar aquela minha intenção. Como não fui a Paredes de Coura em 2016, a coisa ficou adiada. Até ontem.
Até ontem...
E ontem valeu todas as vezes que não pude ver, não pude ir, não pude comparecer à festa. Porque é de uma festa que se trata, de uma reunião de amigos, com dança, abraços, beijos, saudades, nostalgia e alegria. Muita alegria. Concretizei esse meu desejo de reunir ao vivo toda a energia que ando há anos a acumular cada vez que oiço LCD, libertando-a toda, até à última gota de suor. E foi mesmo muito suor que daqui saiu. E que bom que foi.

Vale a pena ler a crítica do Vítor Belanciano à primeira noite de concerto - AQUI - que acaba assim, no que é uma síntese quase perfeita do que se passou:

" Quase duas horas depois do início, All my friends é a síntese de tudo, é colar os cacos do que se ouviu e sentiu antes. É sorrir, lacrimejar ou saltar para esse lugar onde cada um poderá sentir-se confortável com essa sensação de que não se está só. É perceber que os grandes momentos, o que se leva daqui, são coisas minúsculas como um enorme concerto entre amigos."

6.4.18

Deamblogações matinais


  • Estou farto, absolutamente farto, do personagem que dá pelo nome de Bruno de Carvalho e que, infelizmente, lidera o meu clube.
  • Considero inadmissível a falta de transparência e a complacência dos OCS portugueses relativamente ao Governo e à verdadeira austeridade que o mesmo impôs, embora totalmente encapotada, mas que se vê no definhar rápido e notório dos serviços públicos (no sentido mais lato possível).
  • É incrível o sentimento misto que a prisão de Lula cria, não sei bem explicar porquê. Se cometeu crimes e se esses crimes dão cadeia, que outro resultado seria possível? Tantos pruridos.
  • O Brexit adensa-se como trapalhada e embróglio e a moral das tropas está cada vez mais em baixo com as divulgações que, também aí, houve dedo da Cambridge Analyctica a falsear os resultados que de outro modo teriam sido favoráveis à manutenção do RU na UE.
  • O Cristiano Ronaldo é, já uma lenda, e eu digo-o porque nunca gostei particularmente da personagem por diversas razões que não importam, mas não há dúvida que só quem não quer ver é que não se dobra perante tudo aquilo que ele fez e continua a fazer e - mais - a forma como reage ao que fez e faz, numa demonstração de total lucidez sem deslumbre. A ele, uma vénia.
  • Os mercados andam numa montanha russa de sobe e desce ao sabor do humor diário do Mr. POTUS que, ora declara uma guerra comercial com a China, ora diz que não disse o que disse e que, afinal, não há guerra nenhuma. Haja paciência e carteira e tudo um dia dará certo porque não é por ser o POTUS que está imune à lei da impermanência.
  • Por falar em mercados, descobri recentemente que o apresentador da CNN Richard Quest, jornalista financeiro respeitável e que eu gosto imenso de ver no programa diário Quest Means Business, foi detido em 2006, às 3 da manhã, no Central Park, com metanftaminas no bolso do casaco e uma corda ao pesçoco presa aos genitais. Realmente, sabe lá Deus o que se passa dentro da cabeça de um homem...
  • Apercebi-me que estamos outra vez em plena guerra fria quando soube que o RU está a controlar a informação sobre a recuperação do espião Skripal, fazendo crer que o mesmo continua em estado crítico, quando tudo aponta para que esteja a recuperar. Era assim no jogo dos espiões e da contra-informação. Pelos vistos, voltou. Qualquer dia há um novo WarGames.
  • O Brasil está no meio de uma macumba profunda e até João Gilberto parece afectado no ocaso da vida. Nem coragem tenho para procurar saber se a filha Bebel conseguiu ou não rebentar a porta e entrar no apartamento do pai. É triste quando acaba assim. 

5.3.18

Escritos

OLHE AQUI, MR. BUSTER *

Rio de Janeiro , 1962

* Este poema é dedicado a um americano simpático, extrovertido e podre de rico, em cuja casa estive poucos dias antes de minha volta ao Brasil, depois de cinco anos de Los Angeles, EUA. Mr. Buster não podia compreender como é que eu, tendo ainda o direito de permanecer mais um ano na Califórnia, preferia, com grande prejuízo financeiro, voltar para a "Latin America", como dizia ele. Eis aqui a explicação, que Mr. Buster certamente não receberá, a não ser que esteja morto e esse negócio de espiritismo funcione. 

Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo 
Que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills. 
Está muito certo que em seu apartamento de Park Avenue 
O Sr. tenha um caco de friso do Partenon, e no quintal de sua casa em Hollywood 
Um poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e de noite para lhe dar insônia 
Está muito certo que em ambas as residências 
O Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial 
Por muitos anos a vir, e vacuum-cleaners com mais chupo 
Que um beijo de Marilyn Monroe, e máquinas de lavar 
Capazes de apagar a mancha de seu desgosto de ter posto tanto dinheiro em vão na guerra da 
Coréia. 
Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas 
E suas portas se abram com célula fotelétrica. Está muito certo 
Que o Sr. tenha cinema em casa para os meninos verem filmes de mocinho 
Isto sem falar nos quatro aparelhos de televisão e na fabulosa hi-fi 
Com alto-falantes espalhados por todos os andares, inclusive nos banheiros. 
Está muito certo que a Sra. Buster seja citada uma vez por mês por Elsa Maxwell 
E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles, para as duas "estações" do 
ano. 
Está tudo muito certo, Mr. Buster - o Sr. ainda acabará governador do seu estado 
E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas. 
Mas me diga uma coisa, Mr. Buster 
Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: 
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? 
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? 
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?
Vinicius de Moraes

19.2.18

Escritos

A nossa mãe

Encontro-me com o António. Tem 26 anos e está a pensar em voltar para Portugal. Falamos durante três horas. Descobrimos que somos muito parecidos. Conhecemos os mesmos lugares. Temos saudades das mesmas coisas.
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Ele tem saudades da mãe dele que nasceu em 1969. Eu tenho inveja das saudades dele e tenho saudades da minha mãe que morreu em 2016.
A minha mãe não era a minha melhor amiga. Também era isso mas era, sobretudo, a minha mãe. Mãe há só uma: é difícil perceber-se esta grande verdade. Da minha inveja só fica o conselho: aproveita bem o tempo e o amor da tua mãe. Ouve bem o que ela diz. Ri-te com ela. Defende-a sempre que puderes. Agradece a Deus a sorte que tiveste em ter uma mãe. Em ter uma mãe assim. E só em ter uma mãe.
Na Tristana e na Sara, minhas filhas, netas da Avó Inglesa, como tratavam a minha mãe, vejo as mães de todo o mundo. Sinto não só o amor como o divertimento e a admiração.
Ter mãe é uma grande sorte que passa. A minha bem me avisou que as mães sempre decepcionam. Mas morreu à mesma. Cada dia que passa tenho mais saudades dela, daquela pessoa que só ela era e que eu apreciava tanto.
No amor do António pela mãe vejo a sorte que tive e que tenho ainda, no passado, como lembrança e gratidão. Quem me dera que a minha mãe ainda estivesse viva. Dei-lhe sempre muito valor mas só depois de morrer é que percebi o valor imenso que tinha. Não era só alguém que queria o meu bem. Não era só a pessoa mais divertida que eu já conheci. Era a minha mãe. E perdi-a para sempre. Todos os dias.

MEC, aqui

7.2.18

Deablogações matinais


O que Elon Musk fez ontem foi, seguramente, dos maiores feitos que eu vi em vida, ao nível, em termos de importância para o mundo, da alunagem da Apollo 11 em 1969 (que não vi porque ainda não existia). Musk tem enormes defeitos, aliás prontamente apontados por muitos, mas é daquelas pessoas que, por tudo aquilo que faz e em que acredita, contribui decisivamente para o desenvolvimento da Humanidade. Chame-se-lhe louco, visionário ou ingénuo, chame-se-lhe mau gestor (a Tesla tem uma dívida absolutamente astronómica e não consta que tenha condições de vir a dar lucro), mas ele é decisivo para fazer andar as coisas, contribuindo de uma forma totalmente disruptiva para esse avanço. Ainda me lembro - há bem pouco tempo - quando encolhi os ombros ao ver o projecto dos túneis para carros por forma a evitar o trânsito nas cidades, mas o que é verdade é que já existe um projecto algures nos EUA, em que foi construído um túnel gigante por forma a testar a ideia. Até pode tudo acabar de uma maneira completamente diferente, mas esta ideia, tal como outras, contribuirá sem a mais pequena dúvida para estudar, pensar, desenvolver e executar uma solução alternativa ao modelo actual, qualquer que ela seja. A ideia, uma vez mais genial, de colocar no foguetão o seu próprio Tesla com um modelo vestido de astronauta, com câmaras instaladas para que nós possamos ver em tempo real o desenrolar da missão é quase comovente de tão fantástica que é. A mim, pelo menos, comove-me.
E depois, há o tributo a David Bowie. Mas isso já é outra história.
Estratosférico.

4.12.17

In memoriam


O gajo tinha uma granda pinta e lembro-me muito bem de ir ver os Xutos n'Os Belenenses, em 88, e de ficar um concerto inteiro a olhar para ele com um magnetismo próprio de quem atrai sobre si todas as atenções. Se o Tim era a voz, o Gui o sopro, o Kalú a energia e o Cabeleira a tripe, o Zé Pedro era o tipo que agarrava tudo e todos: pela postura, pela pinta, pela simpatia. Daqueles tipos que sabem quando rir e quando fazer cara séria, que estão bem em todo o lado, porque em todo o lado são (compreensivelmente) venerados. Existe, de facto, e sempre existiu uma certa veneração pelo Zé Pedro. Era o gajo que tocava melhor guitarra? Nem por sombras, e até dizem que era meio coxo a fazê-lo. Era o gajo que mais sabia de música? Não, embora soubesse muitíssimo. Era o gajo que melhor se explicava? Bastava ouvi-lo para responder. Era o gajo mais bonito? Se calhar também não, com aquelas marcas na cara vindas de outros tempos e vidas. E, no entanto... Pá, no entanto, era o maior, o tipo que arrastava multidões, conforme a comoção generalizada destes dias comprovou muito bem, o tipo que encantava tudo e todos. O gajo que vai ser lembrado, e muito bem e ainda bem.
A sensação que fica é que foi mesmo uma parte de nós que morreu com o Zé Pedro na semana passada, uma parte de mim sobretudo como adolescente quando ouvia à exaustão ISTO.
Já foi tudo, mesmo tudo, dito, mas eu também quero dizer que foi uma parte de mim que se foi, evaporada pela morte prematura deste gajo que viveu na minha cabeça durante tantos e bons anos.

24.11.17

Deamblogações matinais (tardias)

A mim o que mais me dói não é a morte do Pedro Rolo Duarte em si mesma, embora ela me mereça respeito e a reserva própria a este tipo de assuntos. O que me dói é desaparecerem tão cedo pessoas, cada vez mais pessoas, cada vez mais cedo e depressa. Talvez porque esteja a caminhar para a velhice? Talvez porque, de facto, cada vez mais gente desaparece mais cedo? Ou talvez seja esta coisa da geração dos cinquenta, que é o que diz a Inês?
Eu cá não sei mas sei que perdemos todos colectivamente, sei que tenho medo do desconhecido e sei que me cai sempre a ficha de dar valor ao que tem valor e de relativizar tudo o resto.

3.11.17

Deamblogações matinais

Não consigo perceber exactamente se todos estes episódios de assédio são reais ou fruto da esquizofrenia informativa em que estamos metidos de há vários anos para cá. Agora pega-se no assédio e trituram-se umas dezenas de figuras públicas por terem mandado umas bocas e feito umas coisas ordinárias (e evidentemente condenáveis), mas amanhã já se esqueceu tudo isto e perfura-se outro furo qualquer. Repito: não sei se é algo assim que está actualmente a acontecer ou se tudo o que tem vindo a lume é, de facto, verdade.
Em qualquer dos casos, o drama dos actuais dias relativamente à informação (?) é que muita dela já não é passível de ser distinguida como verdadeira ou falsa. Não temos meios para saber se o Kevin Spacey forçou relações sexuais com um homem há algumas décadas e se assediou metade da equipa do HoC. E, portanto, não temos meios para fazer um juízo fundamentado sobre se a série foi ou não bem suspensa. Ora, a questão não é indiferente porque, para lá do voyeurismo que não me interessa de todo, existem efeitos concretos de tudo isto. No caso indicado, não verei mais um actor de excepção numa série muito interessante. Se é uma sanção justa ou não para o mesmo, nunca o saberei.

29.9.17


6.7.17


10.6.17

Deamblogações nocturnas II

Sentia-lhe o coração junto à mão e pensava, via, aliás, claro, como amava aquele coração. Um amor tão grande que me emocionei. Olhava para o mar de fim de dia e sentia esse amor incondicional. E disse-o: «amo-te». E perguntei: «de onde vem o amor? Da cabeça ou do coração?» Não esperava qualquer resposta porque a pergunta não merece qualquer resposta. Foi a ti que amei naquele instante fugaz. Mas essa fugacidade não representa senão a incapacidade de se sentir permanentemente algo tão intenso e feliz. Amo-te, é o que te digo. E, sim, sinto-o no coração. Sem passar pela cabeça.

8.5.17

Escritos

Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.


Vinicius de Moraes

19.4.17

Deamblogações vespertinas


Acima está o logo da campanha recentemente lançada no Reino Unido pela dismistificação do sofrimento mental, como seja a depressão e os distúrbios de ansiedade, mas também de formas mais graves de doenças mentais (que o que, propositadamente, chamei "sofrimento mental" também é). A entrevista feita ao Príncipe Harry é fantástica. Ele fala, sem qualquer pudor e como se fosse um qualquer plebeu - e de certa forma é -, do sofrimento que conteve durante 20 anos e que lhe foi causado pela morte da mãe. Mas há outros exemplos para além deste.

Admiro uma sociedade que se propõe abordar este tema desta forma.





18.4.17

Diálogos

- Quando já pensavas em mim?
- Já pensava em ti desde sempre, desde que me conheço como sou e penso.
- E quando isso acabar, que pensarás mais, se é que mais irás pensar sobre mim?
- E quando isso acabar irei pensar no que pensava quando te tinha sempre no pensamento.
- Mas, diz-me, vai acabar um dia?
- Tudo o que começa tem um fim, porque só assim a vida renasce e se perpetua.

18.3.17

Deamblogações nocturnas III

E acaba assim...

Well you didn't wake up this morning 'cause you didn't go to bed
You were watching the whites of your eyes turn red
The calendar on your wall was ticking the days off
You've been reading some old letters
You smile and think how much you've changed
All the money in the world couldn't buy back those days