14.4.14
Deamblogações vespertinas
Estamos habituados a que qualquer distúrbio violento publicitado pelos jornais e televisões esteja lá longe, lá onde não nos pode afectar. É o outro lado (o bom) da moeda que é estarmos nos confins da Europa, aqui longe de tudo e de todos e com milhares de quilómetros para atravessar para chegar ao centro.
Vem isto a propósito do que se passa na Ucrânia, que, embora lá longe, muito longe, ao alcance apenas dos mísseis balísticos mais potentes, me preocupa de sobremaneira. E não é porque receie que as tropas russas disfarçadas de agitprop possam atravessar os Pirenéus e invadir a raia alentejana por aí fora até aterrarem no Terreiro do Paço.
O que me mete mesmo medo é a impotência da UE, dos EUA e da NATO perante o que é uma absoluta e miserável farsa de Putin, daquelas que nem uma actuação por boa que fosse dos robertos podia enganar o mais pequeno dos miúdos da assistência.
A actuação do presidente russo é tão miseravelmente evidente que chega a ser bacoca. Dizer que mantém estacionadas as tropas russas para proteger a população russófona (proteger de quê, se os ucranianos nunca demonstraram não querer no país os seus concidadãos de origem russa?), com isso inflacionando os nervos que já estavam à flor da pele, depois aprovar em tempo recorde leis e medidas que visaram encostar os ucranianos da Crimeia às cordas, fazendo-lhes sentir claramente que estavam num país estrangeiro (no dia seguinte à proclamação da independência, passou a existir uma tarifa de roaming para quem na Crimeia mantivesse operadoras não russas (!), depois ameaçar com a escalada do preço do gás, o qual se prevê que aumente 80% para os ucranianos, depois, ainda, dizer que, afinal, está disposto ao diálogo "para que a situação não se descontrole", e, finalmente, dando cobertura mais do que evidente às milícias pró-Rússia que têm invadido tribunais, polícia, sedes da administração pública, etc. um pouco por todo o país.
Muito (demasiado) sinteticamente, tem sido esta a actuação de Putin a que a UE, os EUA e os países da NATO não têm conseguido opor-se. As sanções parecem pouca coisa, assim como pouca coisa parece ser a desvalorização do rublo ou a saída de capitais, pelo menos insuficientes para travar o que é em toda a linha contra as mais elementares regras do direito internacional e constitui um acto de guerra, senão declarado, pelo menos implícito. O que a mim me aflige é, para lá do sofrimento do povo ucraniano e do completo esmagamento do seu direito fundamental à auto-determinação, a repercussão internacional que esta impunidade irá ter. Estamos num mundo, sobretudo na Europa, em que movimentos extremistas florescem como cogumelos, muito alavancados pela incapacidade dos partidos tradicionais e dos políticos tradicionais (a maior parte caído em desgraça nas sondagens e na percepção que os eleitores têm de poder resolver efectivamente os seus problemas) traçarem um azimute bem definido, coerente, corajoso e válido.
Pois é precisamente essa total incapacidade que a crise da Ucrânia tem espelhado. São muitas as movimentações, mais ainda as palavras, mas o que é facto é que Putin tem conseguido levar a água ao seu moínho e a mãe Rússia prepara-se para conseguir anexar mais uns milhares de quilómetros quadrados, assim aumentando o seu já vasto território.
A mim não me atemoriza demasiado se uma localidade, para mim mais do que remota, acabada em "ão" passa ou não a ser russa. A mim aterroriza-me pensar que o sistema que, durante décadas, foi sendo construído não dá qualquer resposta aos problemas do mundo actual. E isso parece ser um facto incontornável.