18.6.15
Cavaco e Silva
Quando apareceu na vida política portuguesa (há quantos decénios?...), para fazer a rodagem ao Citroën que acabou por lhe dar a liderança do PSD, Cavaco Silva - Cavaco e Silva, numa designação que na altura era popular - representou as noções de honestidade, rigor, distanciamento face à política (mais à própria politiquice) e aos políticos e, nessa medida, inspirou muita confiança. Era, de facto, confiança que inspirava Cavaco em muitos de nós. Foi assim em 85, em 87 e em 91.
Depois, "profundamente desencantado" com o que se tornara o PSD (que ele próprio alimentara) e a vida político-partidária, decidiu, completamente a destempo, candidatar-se a Belém contra Sampaio, tendo perdido rotundamente. Demorou 10 anos a voltar a desempenhar um cargo, desta feita como mais alto magistrado da Nação, como tantas e tantas vezes gostam de chamar ao cargo de PR.
No interim de 10 anos em que "andou por aí" - numa prognose do que Santana haveria de dizer em 2004 -, publicava cirurgicamente artigos de opinião cheios de intenção. Dois deles surgem logo no espírito: "O Monstro" e a "Má Moeda Expulsa a Boa Moeda", sendo que, neste último, convém dizer que se referia a um correlegionário seu de partido, a saber, o próprio Santana.
Não tenho tempo, nem particular interesse, em dissecar o que foi o percurso de Cavaco desde que é PR, mas o que me apetece dizer é que, como já aqui referi, me foi desencantando, desencantando, desencantando, até começar a duvidar das suas boas intenções. Imagino que, por esta altura, haja muito boa gente a rir e a pensar: "mas este pateta achou mesmo que o Cavaco teve algum dia boas intenções?!", ao que eu respondo que sim, achei. E assumo isso. Mas, como dizia, comecei lenta mas firmemente a notar que o homem, para além de uma agenda muito própria, demonstrava uma frieza, um cinismo e um calculismo pouco de acordo com a forma de estar que eu preconizo, seja na vida pública, seja na privada. Tomadas de posição, escritos (os tão famosos Roteiros), mensagens presidenciais, entrevistas em que deixava cair uma farpa aqui, outra acolá. E, como tal, fui mudando, lenta mas firmemente, a minha opinião sobre aquela que hoje em dia considero uma sinistra personagem. E é sinistra porque, entre outras coisas, não demonstra qualquer compaixão, qualquer ligação, qualquer proximidade, qualquer emoção, quando, claro está, isso não vai ao encontro dos seus interesses mais imediatos. Porque se for, a coisa fia mais fino. E tudo isso eu acho verdadeiramente sinistro.
A última é esta tomada de posição contra a Grécia feita durante a visita de Estado à Bulgária, em que, para lá do despropósito da ocasião, foi de uma dureza e rispidez inéditas, dizendo que não poderia haver lugar a excepções (!). Mas como é que não pode haver lugar a excepções se vivemos tempos de excepção? Como é que não pode haver lugar a excepções se estamos a sofrer as consequências de decisões erradas tomadas há 20 ou 30 anos, quando se idealizou uma ideia de convergência e de moeda única muito pouco compatíveis com as diferenças estruturais existentes entre os países que a compunham? Como é que, pura e simplesmente, não há lugar a excepções?... Como se pode afirmar isto assim, desta forma, com aquele ar duro e impedernido, cego e insensível?
Cavaco está-se, pois, nas tintas para os efeitos que a inexistência de excepções - essa verdade que eleva à categoria de sacro-santa - pode ter num país, aliás, em muitos países e nos seus povos. Porque, convenhamos, toda a gente sabe que o Grexit é o escancarar de portas para o Portexit, Espanhexit e outros exits que se seguirão. Só mesmo a dupla Pa-Po e Maria Luís é que preferem ignorar tal facto e continuar a dizer que Portugal está preparado para o cenário de saída da Grécia. É para rir. Preparado para a saída da Grécia... Já agora, também está preparado para uma eventual bancarrota da Alemanha, uma invasão da Europa pelo EI ou uma catástrofe nuclear. Portugal é aliás, sabe-se bem, imune a tudo o que vem de fora, independentemente da envergadura. É mesmo para rir, não fora o facto de estarmos a lidar com vidas humanas que são destruídas, que vêem os seus sonhos atirados para o ar como um balão tão cheio de hélio que desaparece da vista para nunca mais voltar, que se vêem confrontadas com situações das quais pensavam estar livres para o resto das suas existências. Em nome de quê? Em nome da não admissibilidade de excepções. Clap, clap, batamos palmas meus senhores.
Cavaco, munido da sua fisga, lança mais, não propriamente uma pedra, mas um pedregulho daqueles valentes, do tipo dos que os trolls do Senhor dos Anéis lançavam sobre Minas Tirith. Na verdade, ele está-se nas tintas, como sempre esteve. A questão é que, no caso, não se trata de um filme. É a mais pura realidade. Mas não a dele.
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