3.9.14

Deamblogações matinais

O auto-denominado Estado Islâmico está a conseguir o que queria desde o início: espalhar pelos quatro cantos do mundo a sua fama de impiedoso e brutal para com os inimigos, ou seja, todos os povos que não perfilhem a sua religião, numa interpretação extremista da sharia. Em suma, somos todos alvos potenciais do EI porque somos infiéis ou apóstatas.
Já disse aqui que o que vi feito pela gente que integra este movimento é muito para lá do que alguma vez imaginei nos meus piores sonhos: mulheres a serem violadas, crianças a serem decapitadas, homens e mulheres a serem degolados e crucificados, raids nas estradas matando tudo o que mexe, entre várias outras atrocidades, é um vale-tudo difícil de explicar, extremamente doloroso de ver e insuportável de aceitar.
Tenho acompanhado razoavelmente bem o debate sobre o EI e torna-se evidente que a comunidade internacional não sabe, e vai demorar a saber, como lidar com a questão: trata-se, na verdade, de um estado sem estado, que une pessoas, não em volta de uma identidade ou origem comuns, mas sim em torno de uma interpretação fanática da religião muçulmana. Para além disso, o saco é suficientemente fundo para albergar todo o tipo de pessoas que, estando-se a marimbar para a religião - ainda que o não assumam - querem andar aos tiros, a pilhar e a violar numa versão pós-moderna do Oeste americano (as personagens de Deadwood paracem uns verdadeiros anjos quando comparados com esta corja).
Existem, quanto a mim, duas questões essenciais que tornam o combate contra esta gente verdadeiramente difícil: a primeira tem que ver com o facto de o movimento se auto-financiar e contar com financiamentos avultados obscuros que ninguém parece capaz de identificar (estar numa zona rica em petróleo é, evidentemente, uma vantagem atroz); a segunda liga-se ao facto de as pessoas que estão no movimento e que são e serão recrutadas não terem qualquer receio da morte e, nessa medida, terem uma concepção da vida (e da sociedade) radicalmente diferente da nossa - aqui incluo tudo, desde o mundo ocidental, a África, passando pelo Extremo-Oriente. Penso que não será fácil encontrar por aí movimentos que, de forma massiva, façam crianças de 6, 7 ou 8 anos gritar a plenos pulmões que estão dispostos a lutar e morrer por um homem (no caso, Al Baghdadi) e saber bem a diferença entre ser mujahidin e mártir. Quando homens afirmam calmamente que só a guerra santa importa e que mais nada conta, nem família, nem amigos, nem a própria vida, está quase tudo dito.
Já se conhecia esta visão da vida há muito tempo e o EI não veio sobre isso trazer grande novidade, a não ser a extensão profusa dessa mesma realidade. Não se trata de meia dúzia de tipos entrincheirados nas montanhas do norte do Afeganistão que têm de se esconder dos rockets americanos. Bem pelo contrário. Estamos a falar de centenas de milhares de pessoas, que atingirão provavelmente os milhões num futuro próximo, e que controlam uma parte cada vez mais importante dos territórios sírio e iraquiano, para além de usarem e abusarem das novas tecnologias para se mostrarem ao mundo.
Tudo isto torna extraordinariamente difícil lidar com esta realidade e não serão certamente drones que destroem alguns tanques que irão resolver o problema. O irónico disto tudo é que Assad está a um curtíssimo passo de ser um aliado determinante dos EUA. A vida dá de facto muitas voltas.