29.5.14

Perplexidades socialistas




Eu sinto-me realmente perplexo quanto ao que se está a passar no PS e tenho algumas dúvidas que gostaria de ver esclarecidas (registe-se que esta declaração de vontade não passa disso mesmo, porque não só ninguém me vai esclarecer directamente - nem os meus amigos socialistas - como não irei encontrar qualquer justificação nos media).

Vamos lá:

1. Porque é que António Costa decidiu avançar agora? Saberia com toda a certeza que haveria de erguer-se um muro para o impedir de prosseguir (como, de resto, está a suceder) e, mesmo que ganhe, ficará com tempo algo reduzido para preparar uma oposição credível à actual maioria e não conseguirá aplacar completamente as bases do partido que Seguro controla muito bem. Dito de outra forma, se não esmagar - repito, esmagar - o PSD coligado ou não com o CDS nas próximas legislativas, ficará com o partido ingovernável com parte importante a querer a sua cabeça. Vale a pena isto?

2. Pensará António Costa, pelo contrário, que, em pouco mais de um ano, beneficiará sempre de um capital de esperança dos portugueses que se traduzirá em votos e, por consequência, na sua eleição como primeiro-ministro, esmagando a coligação e, desse modo, ganhando o partido? Talvez.

3. Terá sido uma questão de consciência política e cívica que o impeliram a avançar? I.e., depois do resultado miserável do PS nas europeias, ter-se-á ele sentido obrigado a ir a jogo, sem tacticismos políticos como os acima referidos?

4. Tê-lo-ão encostado à parede e feito chantagem política, do tipo "ou avanças agora, ou... (qualquer coisa que não quero imaginar)"?

5. Ter-se-á sentido livre para disputar a eleição interna pelo facto de Assis estar na prática impedido de o fazer?

6. E Seguro? Porque é que, em vez de aceitar a disputa (porque isto não é uma disputa vinda de um pequeno do partido sem qualquer relevância, é uma disputa vinda de um histórico, de alguém que muita gente quer ver como primeiro-ministro deste país, e que, para mais, já se mostrou em momentos anteriores, pelo que não é possível empurrar para debaixo do tapete e fazer como se nada fosse), prefere escudar-se nos estatutos do partido que ele próprio blindou numa jogada de xadrez que antevia precisamente este facto?


7. Porque é que Seguro não tem problemas com o facto de esta sua atitude ser conotada como uma "homérica cobardia política", como hoje se lhe refere João Miguel Tavares no Público, sendo-lhe indiferente essa conotação pouco adequada a alguém que pretende assumir o cargo de primeiro-ministro?

8. Como é que uma direcção (como a do PS) que assumiu no passado recente querer derrubar o Governo (legitimamente eleito e com uma maioria parlamentar, note-se), se defende agora dizendo que este episódio, e cito O Observador, "é como alguém chegar ao gabinete do primeiro-ministro, bater à porta, e dizer: o sr. tem que sair, porque teve um resultado fraquinho. E depois do primeiro-ministro dizer que tem um mandato para cumprir, essa pessoa responder que ele está preso a formalidades"?


9. Ou será que tudo isto é concertado e visa, seja qual for a reacção de Seguro, deixá-lo a queimar em lume brando, porque, na verdade, ou ele perde agora para Costa, ou perderá no futuro em eleições legislativas?

10. No fim, será que o PS não tem uma única alma que pense nos interesses do país e faça impor a sua influência, sabendo que o melhor que acontecerá a Seguro (caso agora se mantenha) nas legislativas é uma repetição das europeias, sendo que isso seria uma absoluta e verdadeira tragédia para Portugal, que passaria a ter o líder mais fraco da sua história democrática?