19.1.17

Escritos


 
   

Hoje sinto-me como naqueles dias em que se perde alguma coisa importante, em que se deixa algo ou alguém para sempre, mesmo que esse para sempre não seja para sempre. Hoje é o último dia dos Obama na Casa Branca, no que tem sido um lento adeus desde as últimas eleições.
Embora sempre tenha acompanhado a vida política no EUA, confesso que nunca senti qualquer empatia especial por qualquer dos presidentes. Sim, é verdade que Reagan (a minha memória sólida mais antiga) era bem mais amistoso do que Bush pai e que Bush filho fazia corar de vergonha quem tinha conhecido Bill Clinton, mas genericamente nunca senti qualquer afecto (o termo é este) por qualquer presidente dos EUA. Até Obama. Não foi só (nem sequer) a questão de ele ser o primeiro negro a ser presidente, nem tão pouco ele ser simpático, nem o facto de ser democrata e - pasme-se! - ter vindo a seguir a Bush filho. Nada disso. Foi a circunstância de parecer uma pessoa normal (não, não é o "normal" do Hollande, que é tudo menos normal). Ele, a mulher, as filhas. E mesmo que tenham seguido todo o guião que se conhece: foram para a Casa Branca, tiveram um cão, apareceram fardados e desfardados, em pose ou descontraídos. É verdade, tudo isso, mas tudo isso faz parte da função e, apesar disso, sempre me pareceu uma gente normal, boa gente, com boas intenções, com valores, com afectos. Sorriram, riram, choraram, zangaram-se, promoveram a concórdia, a amizade, a paz, a vida saudável, o diálogo entre os povos, a tolerância e mais uma série de coisas que qualquer pessoa normal e dotada de um quadro de valores saudável faria no lugar deles.
Já tenho saudades dessa empatia com a qual lidava sempre que via ou lia notícias. De certa forma, gente assim era um garante de alguma estabilidade no mundo porque, caramba, estamos a falar dos EUA! E como é importante ter gente normal por ali... Agora nem me apetece pensar no vindouro, apenas celebrar o quão bom foi ver aquela gente por ali. Gente que abraça e não tem medo dos sentimentos.
Hoje sinto que se acabou um tempo e vem aí outro, bem mais duro e mais perigoso. Se já não havia condições para a descontração, agora não há sequer para fechar os olhos. O que vem aí é pesado a sério.
Tenho, já, saudades dos Obama. Muitas. Tantas.