22.7.16

Deamblogações nocturnas



Eu tenho medo de Donald Trump. Não é um medo físico, é pior, é um medo que chamaria sistémico, à falta de melhor designação. Tenho medo dele, no sentido de que temo as suas verdadeiras intenções, os efeitos internos e externos (sistémicos) de uma vitória sua. Tenho receio da disrupção abrupta (passe o pleonasmo) que tal significaria. Falo no condicional porque não quero, propositadamente, falar no futuro. Recuso-me imaginar o impacto que teria o fim dos EUA como contra-ponto da Europa, especialmente numa altura como esta que estamos a viver, com a UE a cair aos bocados e atentados todas as semanas em locais que, até há instantes, eram pacíficos e seguros.
Mas, talvez ainda mais grave, tenho um medo atroz de que uma vitória deste cretino - porque é um cretino que ele é - significasse o fim da ordem e dos costumes tal como sempre os conhecemos, aliás não apenas nós, mas também os nossos pais e avós. O fim da cooperação entre as nações, por muito precária e pejada de interesses que ela seja, o recrudescimento definitivo dos nacionalismos em detrimento de uma visão globalizada e integradora, o endurecimento dos discursos e a instalação formalizada e assumida do princípio da reciprocidade no que este tem de pior e que se reconhece no brocardo "olho por olho, dente por dente". Tudo isto é especialmente importante num país como os EUA que são a única super-potência actuante e efectivamente quem gera balanços e contra-balanços que se vêem e sentem por todo o mundo. Ora tudo isso significaria o mundo ficar entregue a si mesmo. Não sinto especial simpatia por uma visão paternalista dos EUA, mas julgo que, mal ou bem, desempenham efectivamente esse papel.
O filme que antecede este post é muito eloquente na análise calada que faz da tipologia social que apoia Trump: maioritariamente velhos, incultos, extremistas de direita e religiosos, desempregados e descontentes com as suas próprias vidas, completamente indiferentes às mentiras que ouvem, engolindo-as com uma avidez acéfala. Lamento dizer que construir um muro ao longo da fronteira com o México, pôr em causa o tratado do Atlântico Norte no que o mesmo tem de mais sagrado que é o princípio da protecção recíproca, ser apoiante do Brexit, de Le Pen e de Putin, insultar tudo e todos e dizer, sem jamais explicar como, que vão chover "milhões e milhões de dólares" na cabeça dos americanos com ele como presidente, são tudo coisas que não é possível, sequer, analisar ou de que não é possível discordar. Não. Isto não são ideias, são estupidezes, patetices, infantilidades, falta de preparação e muita arrogância. Tudo junto. Eu não me revejo nesta falta de modelo, porque isto nem modelo é. Eu não me revejo em alguém que deve ter apostado um dólar furado em como conseguia a nomeação do partido Republicano, sem ter a mais pequena intenção de construir um projecto político minimamente decente, em defesa do seu país e assumindo a responsabilidade deste no mundo.
Estes atentados um pouco por todo o lado, mas sobretudo os da Europa por afinidade evidente desta com o american way of life, são um óptimo combustível para a mensagem de Trump, ajudando todos os extremistas até aqui indecisos a quem o seu discurso ainda não tinha conseguido convencer. O "eu sou a vossa voz" do fim da convenção do GOP é bem direccionado e melhor pensado, é uma mensagem em si mesmo sem qualquer sentido e vazia de conteúdo, mas que impressiona e acolhe todos aqueles que se sentem na margem do sistema.
Talvez Hillary consiga descolar, mas neste preciso momento tenho, de facto, medo.