7.4.16

Escritos



Goste-se ou não, concorde-se ou não, o que é facto é que vivemos numa sociedade consumista, marcada por um padrão de relacionamento muito interessante entre as marcas e os consumidores. Mesmo para quem, como eu, tem a arrogância de achar que é mais ou menos imune às marcas e à sua influência, acaba por exigir, hoje mais do que alguma vez, ser bem tratado pelas marcas pelas quais opta. E esse bom tratamento de que falo tanto vai de um bom atendimento numa loja, até à qualidade do produto, passando - sobretudo no caso da tecnologia - pelo cumprimento das expectativas, as quais por sua vez se encontram assentes em tendências e inovação (rapidez, aplicações, capacidade, etc., etc.).
Vem isto tudo a propósito de algo que me aconteceu há poucas semanas e que demonstra bem o que digo acima: durante anos e anos fui um utilizador dedicado e orgulhoso de telefones BlackBerry. Desde o primeiro que tive e apenas com a excepção de um modelo, que troquei ao fim de 1 ou 2 meses, sempre me pareceram equipamentos perfeitos para o que eu queria de um telefone dos tempos modernos: falar, enviar e receber sms e whatsapp e escrever, enviar e receber emails. Perguntam: mas é só isso que este tipo quer do telefone?! Calma, já lá vou.
Dizia eu que, durante anos, convivi muito muito bem com isto. Até que apareceu o iPhone, a iPhonefobia e foi tudo atrás. Quando digo tudo, é mesmo tudo, até as outras marcas foram atrás. E, assim, o iPhone passou a constituir o trend a seguir, sendo que quem estivesse de fora, começava a sentir-se cada vez mais... fora. (ainda há dias revi a apresentação do primeiro iPhone feita pelo S. Jobs e é, de facto, espantosa a mudança de paradigma. Digam o que disserem, ele e aquela equipa foram uns génios) O advento das apps, a chegada primeiro do 3G e depois do 4G, a proliferação de utilizações do telefone para além de meras chamadas, sms e email, enfim, tudo isso foi por mim estoicamente aguentado (sem sofrimento, diga-se) porque mantive-me convicto que não precisaria de mais do que tinha. Mais: para mim, a grande e verdadeira revolução veio com o iPad que sempre utilizei bastante, com isso, pensei, anulando a necessidade de um telefone dos novos.
Como gosto de tecnologia, sou leitor assíduo de um site muito conhecido que, de resto, exulta a Apple e tudo o que de lá vem, secundarizando um pouco tudo o resto (talvez haja aqui algum exagero meu que é devido ao facto de eu sempre ter tentado ver defeitos nos produtos Apple e virtudes nos de outras marcas, mas foi sempre a sensação que tive). E pela leitura desse site, ia sabendo das novidades, das novas possibilidades, das tendências, dos sucessos e dos insucessos das diversas marcas. E, para meu desgosto, profundo desgosto, comecei a ver a BB a definhar. O problema, achava eu, nem sequer era do hardware, mas sim do software que era velho e estava ultrapassado. Até que, para meu gáudio, chegou o BB10 que, para quem acompanha mais ou menos estas coisas, trouxe esperança a que a marca renascesse e, ainda que não voltasse a ser dominante como foi durante muitos anos, retivesse com sucesso e contentamento os indefectíveis como eu. Entusiasmado com a novidade do novo sistema operativo e deitando-me claramente para fora de pé, tornei-me accionista - sim, leu bem, accionista - da BB, investindo uns cobres que julguei ir, senão duplicar, pelo menos aumentar substancialmente, num horizonte temporal que antevi como aceitável.
No entanto, para meu desgosto, o BB10 não teve o efeito pretendido, o que aconteceu igualmente com os telefones que a marca lançou a acompanhar. Pelo que, claro que comecei rapidamente a perder dinheiro.
Entretanto, "cá fora" continuava a ser gozado por quase todos, que tinha um telefone da segunda guerra, que tinha parado no tempo, etc., ao mesmo tempo que via a vida (esta vida tecnológica dos telemóveis!) a passar por mim a uma velocidade estonteante, enquanto eu aguardava serenamente na paragem do autocarro que a marca do meu coração me viesse buscar num tapete voador encantado. Mas isso não só não aconteceu, como aconteceu pior: apesar de novos e de um novo SO, os telefones continuavam a crashar, tendo que se retirar a tampa de trás e a bateria (senti-me algumas vezes ridículo nesta operação perante diversos olhares curiosos) e aguardar aí uns bons 5mn que o telefone voltasse à vida. Mas, dizia eu, não queria mais nada de um telemóvel a não ser o que já disse, e para isso aquele chegava-me.
Acompanhando, como espectador e accionista (!), a vida da empresa (que - e muito bem - havia mudado o nome de Research in Motion para BlackBerry), vi com agrado uma mudança do seu presidente e da orientação levada até então. E foi, pois, com uma nova esperança e cheio de um renovado entusiasmo que assisti em directo à apresentação do primeiro BB com sistema Andoid, num passo que muitos consideravam impossível de dar por parte de uma empresa que sempre tinha feito do seu próprio SO uma das suas maiores bandeiras (nomeadamente por razões de segurança reforçada face à concorrência). E vacilei. Mesmo. Tive de me puxar várias vezes à terra e impedir de comprar o novo modelo (jamais poria o escritório a fazer uma estupidez dessas!) quando eu tinha comprado recentemente o, então, topo de gama (que, não obstante, tinha ficado no BB10). Senti, então, pela primeira vez uma frustração enorme com a marca porque, afinal de contas, boa ou má, eficiente ou nem por isso, a própria marca tinha abandonado algo em que sempre acreditara e que sempre quisera fazer crer ser recomendável e adequado. "Vendeu-se ao mercado", pensei. Mas, enfim, lá aguentei mais uma vez e prossegui, reconheço que algo contrariado, sentimento que foi crescendo.
Até que veio um dia. Foi um em específico e não qualquer um. Foi um dia de que me lembro muito bem e sei que foi ali que tudo ruiu. Eu conto: estava a estacionar o carro atrasado para uma reunião e não tinha moedas para pôr no parquímetro. Andei a correr lojas para me trocarem cinco euros, o que, muito previsivelmente, ninguém fez. Entrei então numa pastelaria (sem vontade absolutamente nenhuma) e pedi um queque (eu que, com excepção de uns poucos pastéis de nata, não como bolos em pastelarias) para pagar com a nota e receber trocado. Contente da vida, lá fui pôr moedas, um pouco mais atrasado para a reunião. Percebi então que ao meu lado estava uma pessoa que tinha parado o carro e que, em vez de pôr moedas na máquina, mexia no telefone. Pensei que seria uma app qualquer, mas desconhecia o que fosse. Nesse mesmo dia, tive de ir ao Pingo Doce ao lado de casa. Estava cansado e só me apetecia despachar. Para meu azar (eu sei que não é só meu, mas, francamente, acho que tenho um pouco mais do que a maioria das pessoas...), a caixa em que estava demorou uma eternidade por causa de um sujeito absolutamente indecente, enquanto a caixa ao lado despachava pessoas atrás de pessoas. Vi, então, que por cima tinha a indicação "reservado para app do Pingo Doce". Rosnei para mim que aquele aparelho que tinha ali no bolso tinha a sentença de morte anunciada, sem possibilidade sequer de recurso ou reclamação. Ia morrer rapidamente. Muito rapidamente.
(continua)