7.4.14

Deamblogações vespertinas

Não conhecia o Manuel Forjaz, nem pessoalmente, nem sem o ser. Nunca tinha ouvido falar dele e só ontem é que percebi quem era, o que fazia, do que sofria. Perguntaram-me hoje em que mundo é que vivo, mas eu sei bem em que mundo vivo, um mundo que não é sempre compatível com conhecer a malta que as pessoas conhecem. Porque quase não vejo televisão, não leio revistas generalistas e apenas leio um jornal - o Público. E não tenho Facebook. Talvez, mesmo, o mais importante seja isto: não ter Facebook.
Não me interessa muito centrar a coisa no Manuel Forjaz, por quem tenho o imenso respeito que se deve ter por quem sofre de uma doença em princípio incurável e que, até ao fim, vai arrasando lentamente uma vida. Nessa medida, ele e todos os outros que padecem do mesmo mal são credores de um profundo respeito.
Houve, no entanto, algumas coisas que entretanto ouvi ditas pelo Manuel Forjaz que me fizeram reflectir, adensando uma inquietação que, crescentemente, tenho tido ao longo sobretudo dos últimos dois anos. Temos todos a (natural?) tendência para apenas dar valor às pequenas coisas quando uma qualquer tragédia se abate sobre nós. Eu sei que é um lugar comum, mas quem verdadeiramente de entre todos nós se encanta com um pássaro que chilreia num dia de sol, com as andorinhas a voar em fim de tarde de primavera, com o rio que brilha nesta cidade de Lisboa ou com o simples facto de estar vivo? Quem?... Quem de entre nós se lembra de telefonar a um amigo a dizer que tem saudades dele, a dizer que o ama e que a vida sem ele ou ela não era a mesma coisa? Quem de entre nós tem uma palavra de afecto para quem nos serve uma refeição ou quem nos vende uma coisa qualquer? Quem?...
Eu sei bem que é preciso que aconteça uma tragédia para que nós relativizemos aquilo que nos preocupa verdadeiramente no dia-a-dia e que absolutizemos o que, afinal de contas, é mesmo o mais importante que temos. Eu sei porque já vivi isso. E aí há uma estranha sensação de plenitude, de calma, de foco nas prioridades da vida. E elas não são muitas afinal de contas...
Cada vez mais acho que o sentido da vida está nas pequenas coisas e não nas grandes. Está nos outros e não em nós mesmos. Está na felicidade que conseguimos criar e partilhar e não no que conseguimos colher para nós próprios.
Se pensar dois minutos sei que não me falta nada. Nada de nada. E que tudo o que tenho e que sou chega para me sentir feliz. Podia ser melhor? Podia, pode sempre. Podia ser pior? Podia, pode sempre. Parar para olhar, para sentir, para escutar. Para pensar, para meditar. Para viver.
Não sei se um dia passarei por alguma experiência parecida com a de ter cancro ou outra doença do tipo. Mas sinto que a plenitude está em viver o presente de forma plena e atenta.
Ouvir o Manuel Forjaz fez-me pensar que, alguém que tem uma espada de Dâmocles em cima da cabeça que todos os dias desce um bocadinho e que opta por continuar a viver e a dar valor à vida, tem com toda a certeza muitos momentos felizes. Apesar da sua condição. E isso merece muito respeito e admiração.
E é, afinal, essa a grande lição de vida: não ser preciso uma tragédia para se viver feliz a vida que se tem e que é a nossa e que deve ser vivida plenamente e com regozijo.