19.2.14

Deamblogações vespertinas

Eu preocupo-me com a escrita. Não apenas o estilo da escrita, mas também com os erros ortográficos e de sintaxe
Nunca na minha vida vi tantas discrepâncias na escrita da nossa língua como actualmente, resultado directo do que fizeram (e impuseram) algumas iluminárias que crêem perceber muito de português e muito acerca de etimologia, ortografia, linguística, vocabulário, semântica e de outras coisas que não estão ao alcance do comum dos mortais como fricativos verbais, oclusivos velares, oxítonos homógrafos, ênclises e tmeses (sim, tmeses, não me enganei). Enfim, claro que estou propositadamente a tomar a nuvem por Juno e claro que, primeiro, nem todas as pessoas que defendem o AO estão mal intencionadas (se é que alguma está...), segundo, os palavrões que utilizei antes não são próprios apenas do AO, e terceiro, muitas dessas pessoas percebem de facto muito de português.
Não é, efectivamente, isso que está em causa. O que está em causa é que, como dizia, nunca vi tantas disparidades com a nossa língua, vindas precisamente de quem quer escrever a mesma coisa mas fá-lo de formas diferentes. Pior: a própria Administração Pública, obrigada que está ao AO, ainda continua a utilizar Ofícios em que utiliza, percebe-se que distraídamente e não por qualquer razão de apego ao antigamente, a velha grafia, misturando-a, linhas abaixo, com a nova grafia, contribuindo para um resultado absolutamente caótico e distónico do parágrafo, linha ou singela ideia que queira perpassar-se.
Para além de que, como hoje vem muito bem descrito num artigo de opinião de Francisco Miguel Valada, no Público, aqui, existem "consequências na leitura (e não só na escrita) da supressão de diacríticos (consoantes e acentos)" que produzem, por exemplo, o seguinte resultado (transcrevo por facilidade parte do artigo referido):
"(...) numa aula de Português, um aluno do ensino secundário leu em voz alta um texto que continha a frase “a conceção [sic] de Nossa Senhora foi imaculada” e pronunciou o "conceção" (sic) exactamente da mesma forma como pronunciaria "concessão". A este propósito, Maria Alzira Seixo acrescentou (e bem) que, apesar do contexto, o aluno não leu "conceição".
São conhecidas as razões que justificam uma ocorrência "conceição" em vez de "concepção". Curiosamente, também a possibilidade de uma ocorrência "conceição" em vez de "conceção" (sic) é contextualmente plausível e não só pela presença de “Nossa Senhora”. Esta idealização de um "i" depois do "e" é corroborada por um fenómeno perturbador que actualmente se começa a identificar em leitura de textos escritos “ao abrigo” do AO90: devido à supressão do "c" de directo, alguns indivíduos lêem "direito" em vez de direto (sic)."
Efectivamente, começa-se a reparar que quem não tem o referencial antigo das palavras tal como aprendemos a escrever, ou seja, os mais novos, estão sujeitos a erros de escrita e de oralidade que podem produzir erros de compreensão (quem por exemplo não sabe que "concepção" do verbo "conceber" se transformou (para alguns...) em "conceção", lendo-se o "e" de forma aberta, tenderá a lê-lo de forma fechada, fazendo por isso confusão com o verbo "condecer" (com "d").
Isto são tudo consequências do que alguma gente pensou como sendo profícuo para a nossa língua. Interessante o facto de os restantes CPLP's manterem, segundo parece, reticências acentuadas na adopção do que para nós se tornou uma imposição governativa.
Mas esta, ao contrário dos impostos, nunca seguirei. E espero que muitos como eu.