Há no caso Hollande uma coisa que me inquieta: o espírito francês que consegue a façanha de, simultaneamente, detestar o presidente, criticá-lo como político, e nem sequer querer avaliar o seu comportamento extra-conjugal que, ao ser publicado numa revista, entrou pelos olhos adentro dos franceses. A justificação é a de que a esfera privada à privacidade pertence e portanto nada tem que ver com a política nem deve ser discutida na praça pública.
Eu sou daqueles que se sente verdadeiramente perturbado pela transparência atroz e impúdica que actualmente se vive nas sociedadades ocidentais (pelo menos nestas, nas outras não sei). Toda a gente tem o secreto e, muitas vezes, expresso desejo de ser conhecido, de mostrar o seu lado mais privado, como seja os lugares em que esteve, com quem esteve, o que fez, etc. Ninguém parece importar-se com a reserva devida a crianças, outras pessoas, situações privadas e outras que tais, não se coibindo de tirar fotografias a torto e a direito para publicação no FB ou Instagram.
A mim isso incomoda-me de sobremaneira.
Depois há o ridículo como seja, por exemplo, tirar fotografias ao caixão do Eusébio nos breves segundos em que durava a passagem à frente do mesmo.
Dito isto, entendo que com os governantes a coisa fia mais fino e não pode bem ser igual. Quando alguém se candidata para exercer um cargo político, tem, a meu ver, um ónus acrescido no que concerne a sua vida privada. Hollande devia saber que, por mera causa do cargo que exerce, não é indiferente aos franceses e ao seu erário público, que ele tenha uma relação extra-conjugal enquanto mantém a sua companheira oficial (não é casado) no palácio do Eliseu como se tudo estivesse bem. Para além da hipocrisia disto ser enorme, o facto é que para efeitos de Estado (representação, despesas, estatuto, etc.), o presidente tem uma mulher e é com ela que ele se desloca, é nessa qualidade que os restantes órgãos do Estado se lhe dirigem, é por causa dela que o orçamento da presidência da república francesa é mais elevado, e assim por diante.
Ou seja, eu não estou propriamente a defender que os políticos eleitos devem ser mais puros que todos os outros. Estou é a dizer duas coisas: primeiro que eles devem estar cientes de que são objecto de um escrutínio enorme (e isso mau ou bom é o que é) e, segundo, que têm o dever de não ser hipócritas. Muitos foram? Pois foram. Dizia-se que Kennedy tinha um segundo staff só para tratar dos encontros com as suas amantes na Casa Branca. Mas isso não significa que seja legítimo aos olhos dos eleitores.
Ninguém tem nada a ver com a minha vida, desde que esta não afecte terceiros, seja materialmente porque lhes sai mais caro, seja porque lhes inflinjo uma mentira ao mostrar uma coisa que não sou.
Hollande bem poderia ir às escondidas encontrar-se com quem quisesse às tantas da noite e mandar um segurança ir buscar croissants quentinhos para o pequeno almoço (na cama?...) se não assumisse perante o povo francês que tem uma mulher com quem vive maritalmente (e ao que se sabe não existe uma cláusula na sua relação que permita escapadinhas destas). A partir do momento em que o faz, o seu comportamento é, a meu ver, ilegítimo.
Os franceses ao dizerem que não querem saber dos hábitos do presidente e que isso não influencia a opinião política que têm do mesmo, estão a ver mal e a admitir estar a ser enganados. E não por qualquer questão de moral ou de bons costumes, mas porque eu considero que aqueles que têm maiores responsabilidades têm um ónus acrescido perante a verdade. Por mais que ela doa.