Gosto dos temas do espaço e, por isso, assisti ao vivo enquanto trabalhava à subida de Mário Ferreira e dos seus comparsas na passada semana à linha que divide formalmente a Terra do espaço. Digo subida e não aventura ou viagem, porque aquilo foi na verdade uma subida e uma descida quase imediata, num total de 13 minutos de voo entre descolar e aterrar. 13 minutos a cerca de $250.000, dá um pouco mais de $19.000 por minuto. Tendo em conta que os passageiros estão um ou dois escassos minutos com gravidade zero - realmente o que torna este voo diferente dos demais - convenhamos que é uma real extravagância.
No entanto, se fosse só extravagante por torrarem dinheiro com uma evidente prova de novo-riquismo, eu nada tinha a dizer, mas o problema é que esta que foi a sexta viagem de muitas mais que irão existir a curto e médio prazo - e à Blue Origin irão juntar-se a Virgin Galactic e outras semelhantes - traz certamente uma pegada carbónica, mais uma, pesada para todos nós, habitantes deste planeta que dificilmente alguma vez poderemos sentir a gravidade zero na barriga.
Ora, ao ver aqueles passageiros muito excitados de mãos dadas lá em cima, depois de tê-los visto ainda cá em baixo com ar de quem ia atravessar o oceano para o desconhecido tamanha era a proeza do que ia fazer, não pude evitar um esgar de escárnio e relativo desprezo por gente que, findas todas as brincadeiras que podem servir de excitação, tem de ir em busca de algo novo, de preferência que dê nas vistas e seja caro para cunhar o carácter de exclusividade apenas permitido a uns happy few. São crianças crescidas estes homens e mulheres que brincam às idas ao espaço a $ 19.000 por minuto. O que vale é que são, de facto, poucos minutos. Mas não tão poucos que não dê direito a centenas de reportagens prévias para ir acompanhando os preparativos e o estado de espírito dos participantes, como se de uma verdadeira expedição se tratasse.
Uma vez aterrados e depois de terem chegado mais de uma dezena de jipes todos alinhados não percebi para quê, desliguei o directo porque tive vergonha alheia. Esta espécie de prazer na demonstração ao mundo da riqueza e do poder é algo que me cria muito desconforto e pena. Pena porque o egoísmo de alguns é tão afastado da realidade e das necessidades mais básicas e prementes que dói.
A Blue Origin tem como assinatura "For the benefit of earth". Confesso que não sei quais são os benefícios que todos podemos retirar destes voos à linha que separa a Terra do espaço. Mas imagino alguns prejuízos, desde logo com o combustível queimado.
Triste sina a nossa ter de passar a ver adultos com ar de crianças mascaradas de astronautas. Só nos faltava esta.