27.3.18

Escritos



Vi isto de uma tirada, no que ficou conhecido como bindge watching, e penso em como, no Brasil, o corajoso não é ser ladrão ou corrupto ou aldrabão ou mentiroso ou filho da mãe ou safado, numa expressão que lhes é tão cara, o corajoso é ser honesto, honrado, cumpridor, moral, íntegro, isso é que é corajoso numa sociedade em que, no topo escorre lama por todos os lados, bafienta e suja, cheia de esquemas, interesses, contra-interesses, jogos de bastidores e demais quejandos, tendo por único interesse - único interesse, qual povo, qual progresso, qual ordem, qual quê! - a grana que vai pintar no final. Penso em como deve ser foda (numa expressão idiomática) ser polícia e não ser subjugado pelo sistema, continuando a acreditar que os maus vão ter o que merecem e que os bons vão vencer. Será mesmo que eles, os bons, acreditam nisso? Penso também nisso, no que os fará correr, dar o corpo às balas, serem identificados como contra-sistema, estarem do lado errado da barricada, o lado que tenta puxar o país para o lado bom, honrando o seu lugar na História tão sempre adiado, sempre demasiado adiado, numa incansável fuga a um destino traçado. Afinal, Deus não é brasileiro? É não... Penso em como tudo isto cansa, cansa mesmo, de ver, de pensar, de imaginar como será viver num país em que o mecanismo vai do trocador do esgoto ao presidente da república, minando tudo pelo meio - que na verdade é tudo mesmo - desde os serviços públicos às empresas mais importantes públicas e privadas. Deve ser foda, uma foda puta (outra expressão idiomática). E depois penso na crença daquele povo que se dá ao trabalho de vir para as ruas manifestar o seu apoio ao Lula, à Dilma, ao Temer e a todos os lulas, dilmas e temers daquele país, que são tantos quantos os quilómetros quadrados que o compõem. É preciso coragem, porra, coragem e alguma loucura para continuar a acreditar que em Brasília se pensa nos confins do Sertão, da Rondónia ou do Acre, lá longe, em que não há paletós nem gravatas, dinheiro ou interesses, acreditar que os poderesos, esses mesmos que lideram o mecanismo, se importam com eles, o povo, o mesmo que sai às ruas e se manifesta sempre que a polícia mata alguém que tem posições incómodas e sujeitas a mostrar mais podres. Acabo de ver o seriado, bem confortável num país em que, nem que seja pela pequenez, a corrupção também me parece pequena, e sinto-me exausto. É. É foda ser-se dos bons. E penso em como talvez não seja apenas ali.