1.12.15

Escritos


Há coisas que se fazem ou que não se fazem e que nos custam um amargo de boca. Gostando de música desde que me lembro, vi ao longo dos anos muitos concertos, bastantes muito bons, muitos bons, alguns maus e, talvez, uma maioria razoavelmente indiferente, daqueles que foram bons mas que se esquecem ao fim de um tempo sem ficarem a ecoar cá dentro.
Um bom concerto, um mau concerto ou um concerto indiferente não o é, necessariamente, por motivos exclusivamente musicais em sentido lato (englobando aqui as questões do som, do cenário, das luzes, do espaço). Eu, e julgo francamente que todos os que assistem a um concerto, sou influenciado por tudo isso e, mais ainda, pela minha disposição nesse momento, pela expectativa quanto ao artista, por pré-concepções que dele tenha ou não, num misto difícil de detalhar para este efeito.
Assim de repente, vêm-me à memória concertos tão díspares como Xutos no pavilhão dos Belenenses, Rádio Macau no Rock Rendez Vous, The Cure no Royal Albert Hall, GNR no Coliseu (92), Joe Zawinul no Rose Theatre, Peter Evans na Gulbenkian, Gisela João no Lux ou Beach House no (infelicíssimo) Armazém F (então ainda sala TMN). Isto é uma amostra pobre, demasiado pobre, mas, como disse, foi o que me veio de rajada ao espírito. Ora, nesta amálgama dificilmente harmoniosa, não é certamente o género de música que me marcou (há disparidades óbvias, mesmo dentro do mesmo género musical), mas sim outras coisas, de entre aquelas que acima refiro.
Tudo isto para chegar onde? Para chegar onde comecei: há coisas que se fazem ou que não se fazem e que nos custam um amargo de boca.
Pois a mim aconteceu-me um (grande? enorme? incomensurável?) amargo de boca nesta sexta-feira com Benjamim Clementine no Coliseu. Porque eu estava lá e saí. Pura e simplesmente, saí. Sem que me tivessem perguntado se queria sair ou obrigado a sair, sem que tivesse de sair. Saí porque saí. Porque - escondo a cara com alguma vergonha - não estava para aí virado, não estava no mood.
Pois é...
Há concertos que custam porque se perdem e não se recuperam, mesmo que vejamos os artistas depois. Ver Portishead no Sudoeste em 98 não é o mesmo que ter visto Portishead no Coliseu anos depois, e não será provavelmente o mesmo que ver Portishead noutro sítio e noutra data qualquer. E não é por ter sido melhor ou pior. Se calhar musicalmente não foi melhor, nem isso interessa, mas foi demasiado especial para ser repetível. Porquê? Por uma data de coisas que só quem lá esteve sabe e pode transmitir.
Na sexta-feira perdi Benjamim Clementine porque simplesmente não me apeteceu ficar. E nem tenho a meu favor o facto de não o conhecer. Nem isso...
Fica-me o amargo de boca. Sei que o verei numa próxima oportunidade, mas também sei (de ciência certa) que o que se passou no Coliseu há poucos dias é irrepetível, por muito bom que seja o que eu puder ver um dia.
Há coisas que se fazem ou que não se fazem e que nos custam um amargo de boca. Na sexta-feira houve magia, segundo ouvi e li, mas eu não fiquei porque não quis.
É agora hora de conviver com isso.