Um dos factos extraordinários no caso da entrada em vigor das alterações ao Código do Processo Penal - para lá da curta vacatio legis, da questão das implicações decorrentes da aplicação imediata da lei (por ex. nos tão badalados casos das prisões preventivas) ou ainda da falta de meios de que se queixam os operadores judiciais - é o teor das declarações da Procuradora Maria José Morgado, a qual veio dizer que as alterações não terão o efeito desejado e, mais, terão mesmo um efeito pernicioso, já que não existem meios para as pôr em prática.
Ora, convém lembrar que, como muito bem disse José Miguel Júdice, a Dra. Morgado não é qualquer pessoa. Para além da enorme notoriedade que tem (o que, bem ou mal, lhe traz uma responsabilidade acrescida naquilo que diz ou faz), é tão só um dos principais rostos do Ministério Público, tendo-lhe sido atribuídas competências acrescidas no sentido de investigar (espera-se que com resultado) vários mega-processos. E aí é que está a estranheza das suas declarações. No mesmo dia, o PGR incitava à calma, dizendo que apesar de uns ajustes necessários, o Estado de Direito e a Justiça não estavam em causa por causa da entrada das alterações em questão. É discutível - como, em rigor, tudo é discutível - mas foi o que disse e, a meu ver, bem, porque lhe compete em momentos como este assegurar a calma e não acicatar os ânimos (como, a propósito, ouvi ontem um responsável da polícia fazer, ao dizer que isto iria inevitavelmente levar à justiça popular!). A que propósito, pois, vem agora a Dra. Maria José Morgado falar em sentido diverso? Será que o fez com a concordância do PGR? Será que este não sabia? E se não sabia, devia saber? E se não tiver sabido e partindo do princípio de que não concordará com o teor das declarações fará alguma coisa contra Maria José Morgado (ainda que não em público)?