2.8.22

Deamblogações matinais

Ontem, a propósito de um evento familiar e por uma razão muito específica, pude observar duas famílias recentemente constituídas cujos primeiros filhos são portadores de uma deficiência grave.

Numa delas, o filho tem uma doença degenerativa que afecta toda a sua parte motora e também cognitiva. Fiquei de queixo caído quando me contaram que existem 36 (sim, trinta e seis) pessoas no mundo (não é em Portugal, é no mundo) com a mesma doença, o que faz dela uma daquelas doenças raríssimas,  e que ambos os pais são igualmente portadores do gene da doença mas que nunca neles se manifestou, o que os faz serem as únicas pessoas em todo o mundo em que tal foi diagnosticado (EUA). É o euromilhões ao contrário.

Na outra situação, não percebi bem do que se tratava, dado que era uma criança de colo, aliás estava no berço, mas disseram-me que não respirava normalmente , tendo de ser permanentemente assistido por uma máquina portátil e estando sempre ligado a uma máscara de oxigénio.

Em ambas as situações pude aperceber-me da absoluta normalidade dos pais no tratamento dado aos seus filhos. Como se nada os distinguisse dos restantes pais. Ficou-me na memória a mãe da criança de colo, enquanto falava tranquilamente com os amigos, a preparar uma seringa com uma espécie de sopa bastante consistente para dar ao seu filho, muito provavelmente a única forma que ele tem de se alimentar.

Eu olho para isto e, sem querer, sinto uma espécie de culpa por nunca ter vivido nada semelhante. Nunca ter sofrido a dor de ter um filho portador de deficiência, que é um peso (?) que se carrega durante uma vida inteira e não se fica por um acontecimento que, ainda que traumático, está situado no tempo e tem um princípio, um meio e um fim. Isto é discutível, claro, mas a minha percepção imediata é esta. O que é que vai ser daquela criança que, com poucos meses, não respira sozinha nem nunca respirará? O que é que vai ser daquela outra que tem uma degenerescência física e mental e que, inexoravelmente, irá continuar a perder faculdades? E como é que os pais lidam com isto?

Sem saber responder, nem perto, a nada disto, há contudo uma coisa que sei. Admiro a coragem destes pais, a sua capacidade de tornarem normal o que nada tem de normal, o de lidarem com a tranquilidade possível com situações que, de tão extremas, estão para lá do que é possível imaginar.  Na falta de compreensão por tudo isto, é real admiração o que sinto.