4.12.15

In memoriam



O que me interpela em FSC não é pensar que ele seria capaz de pôr isto tudo na ordem e que se não tivesse morrido tudo seria diferente. Isso não é verdade porque nem um só homem consegue mudar uma mentalidade instalada, nem esse homem era um deus, tal como muitos o pintam. Era só um homem. Difícil, teimoso, obstinado, perseverante, que defendia muitas coisas certas e outras nem tanto. Mas que tinha duas características fundamentais: uma ideologia forte e bem fundamentada que queria ver aplicada no país e uma rectidão assinalável como pessoa. Ora, essas são, hoje (?), características porventura mais difíceis de se encontrar por aí. Não apenas porque a ideologia escapa-se-nos por entre os dedos das mãos numa altura em que os interesses financeiros falam (sempre) mais alto do que a política, mas também porque esse mesmo facto contende bastas vezes com a ambicionada verticalidade de espírito. É só por isso que penso que mais FSC's e outros que tais fazem falta.

Para além disso, teria uma imensa curiosidade em ver como o mesmo se posicionaria perante a bipolarização que recentemente assolou a nossa realidade política. Tenderia para que lado? Teria já deixado o PSD, perante o que o mesmo se foi tornando ao longo do tempo? Seria liberal ou continuaria social-democrata, numa altura em que o estado social está a ser posto em causa? Saudaria a recente e súbita crescente importância da AR ou lamentaria o fim, ainda que possivelmente transitório, do bloco central? Como é que se posicionaria, hoje, face a tudo isto?

É que ser-se social-democrata actualmente é ser-se de esquerda, quase comunista, que é o que alguns políticos que se mantiveram fiéis aos respectivos ideais e que antes militavam no PSD ou no CDS são acusados de ser. Pretender-se um sistema nacional de saúde e uma educação tendencialmente gratuitos, zelar por um sistema fiscal o mais equitativo e redistributivo possível, reforçar os poderes de entidades reguladoras verdadeiramente independentes e não deixar que seja a realidade financeira a determinar as opções políticas, para além de não serem balelas, significam uma clara opção ideológica muito pouco ou mesmo nada aceite por estes dias.

Creio que FSC romperia com o statu quo, tal como fez sempre que deixou de se sentir confortável na pele que funcionalmente envergava. Talvez criasse um partido, talvez obrigasse outros a criar um partido. Tenho, no entanto, dificuldade em antever que pactuasse com o crescimento do fosso entre ricos e pobres, com o esmagamento cada vez maior da classe média e com a indiferença perante os pensionistas e os desempregados. Tenho igual dificuldade em antever que não pugnasse por uma sociedade civil cada vez mais forte, mais independente, mais lutadora e reivindicativa dos respectivos direitos - direito à iniciativa privada (verdadeira e com o mínimo de constrangimentos financeiros e burocráticos), direito à inclusão de todos, direito à reclamação perante o Estado de serviços que devem por ele ser prestados de forma eficiente e igualitária, direito à estabilidade fiscal e à ausência de situações de confisco.

É este tipo de raciocínio, naturalmente mais maturado e desenvolvido, que imagino FSC teria se fosse hoje vivo neste país e nesta Europa. Porque, para nosso mal, estes mesmos males não são apenas nossos, são os males que grassam um pouco por todos os países europeus ditos ocidentais. É, como diz, JPP, um problema que encontra a sua fonte no PPE e daí salta para os governos e parlamentos de cada país.

Resta-nos a imaginação de como FSC lidaria com tudo isto. In memoriam.