5.3.08



Os Cure preparam-se para (mais) um concerto em Portugal. O primeiro foi em 1989 no estádio de Alvalade e depois vieram cá mais mais duas ou três vezes. Esta será, pois, a terceira ou quarta vez. Por diversas razões, apenas os vi em 89, na altura do The Prayer Tour, na tournée do álbum Desintegration. Antes disso e depois disso foram milhares, muitos milhares, as vezes que os ouvi. Em disco, em cassete, em cd, em dvd e, finalmente, no iPod.

Desde 1989 mudou por diversas vezes a formação do grupo: nessa altura Smith, Gallup, Thompson, O’Donnell e Williams faziam o que considero a melhor formação de sempre (ao nível, talvez, de 1985-1988 com Lol Tolhurst em vez de Roger O’Donnell), em que imperavam guitarras mágicas (Smith), sintetizadores melancólicos (Bamonte), teclas e guitarras duras (Thompson), baixo rítmico (Gallup) e, finalmente, bateria potente e certa (Williams).

Desintegration (1989) foi o que considero (e não sou o único) o último grande álbum dos Cure, embora haja quem pense que Bloodflowers está ao nível. Na realidade, não sei se está porque nunca o ouvi com atenção (acho, aliás, que nem o tenho). Os próprios Cure devem, de algum modo, considerar que assim é, tendo em conta a trilogia que apresentaram em 2005, composta por Pornography, Desintegration e Bloodflowers, este último fechando, segundo eles, o círculo. Verdade seja dita que no último há um regresso aos ambientes de Desintegration, com muitos (e bons) sintetizadores e uma aura de certa melancolia no ar, mas quanto a mim não chega.

De resto, hoje – tal como há já 10 anos – os Cure estão mais velhos. Robert Smith está cansado e não tem o fulgor de outros tempos. Quem o ouvir nos últimos concertos percebe o que estou a dizer. As guitarras, que passaram a ser mais metálicas e menos ambientais, sobrepõem-se de certa forma à sua voz, como que tentando suportá-la num esforço que o mesmo já não consegue sozinho (veja-se, por exemplo, A Strange Day no concerto de Berlim em 2005). Mas não é só Smith. Porl Thompson, regressado após uma diatribe pelas artes plásticas, está visivelmente mais calmo. Sinto saudades de Lol Tolhurst e, sobretudo, das suas teclas, ainda que o mesmo fosse acusado de não se empenhar muito, especialmente durante os concertos. Já Jason Cooper é pálida figura quando comparado com Boris Williams, e não me parece que consiga marcar o ritmo, como seria suposto (vejam-se as últimas prestações em One Hundred Years). O único que me parece manter a forma (ainda que, muitas das vezes, com demasiado ênfase no baixo), é Simon Gallup, a sempiterna segunda figura da banda e melhor amigo de Smith.

Não deixa, pois, de ser algo doloroso ver a decadência (digo-o de forma tão neutra quanto possível) inerente ao processo de envelhecimento próprio de uma banda com mais de 30 anos de existência. E tal facto é ainda mais visível quando se comparam versões actuais com as de há 15 ou 20 anos atrás. De facto, pouco há de semelhante entre os actuais concertos e os míticos (embora não únicos, mas mais conhecidos) In Orange, em França, e no Royal Albert Hall, no RU, para apenas citar dois, respectivamente, de meados de 80 e início de 90.

Mas se tudo isto é factual e tem que ser aceite, há, ainda assim, um paradoxo que é o seguinte: os últimos três álbuns (Wish, Wild Mood Swings, e The Cure, com excepção de Bloodflowers pelos motivos acima referidos) adoptaram, de forma crescente, uma sonoridade que, em meu entender, quis fazer a ponte entre as tradições sonoras do grupo e alguma “modernidade” mais comercial. Em suma, os Cure quiseram atrair um público novo, mais jovem e imberbe, que não conhecia, necessariamente, o peso e alma de Faith ou de All Cats are Grey. Mas, perturbadoramente, o mesmo público que também não conhecia, necessariamente, Killing an Arab, Strange Girl, Hot! Hot! Hot! ou Why Can’t I Be You?. Ou seja, ao contrário do que se diz na última Blitz, que dedica o tema de capa aos Cure, não me parece que eles sempre tenham sido uma banda pop e que seja essa a sua verdadeira raíz. Ainda que Smith o afirme despudoradamente.
Não se pode comparar Inbetween Days, Boys Don’t Cry ou mesmo The Lovecats com Friday I’m in Love ou High (para não falar nas últimas músicas cujo título desconheço em absoluto). São coisas diferentes. As primeiras, são talvez desvios a uma certa soturnidade que imperava e perpassava em todos os álbuns, sobretudo até The Head On The Door, mais tarde renascida em Desintegration. Desvios sim, mas numa linha bem definida em termos de sonoridade e ritmo. Já as outras são concessões (ainda que bem feitas e sem que o pareçam) aos novos tempos. Não nos esqueçamos que os Cure de finais de 80 não poderiam vender hoje como o faziam na época... Por isso, hoje, sim, dou razão à Blitz ao defender que se trata de uma banda pop. Mas isso é hoje e não desde sempre como afirma a revista (quando é que uma banda pop faria Funeral Party, The Top ou mesmo Piggy In The Mirror?).

Mas voltando ao paradoxo, este existe quando, embora pensando tudo isto, se vai a um concerto deles com uma espécie de esperança renascida, como se se fosse ver (a estética é neste caso muito importante) e ouvir a banda de outros tempos, a mesma que conseguia juntar góticos, punks, darks, surfs, bem como público mais mainstream, numa espécie de adoração pela música que tocava. O paradoxo existe porque se sabe, hoje, que não é assim. Smith está noutra. A banda mudou o target, deixou de pertencer genuinamente a uma geração, e com isso perdeu referências. Mas, mesmo sabendo tudo isso, crê-se que o concerto do próximo sábado vai ser bom, pelo menos tão bom como o de há 19 anos (!), no longínquo ano de 1989...

Mas será mesmo assim? À parte o alinhamento – esse necessariamente diferente – será que ainda conseguiriam terminar com uma versão de 12 mn de Faith? Será que ainda arrepiariam quem os ouvisse com uma entrada em palco ao som de Plainsong? Ou tudo isto não passa de uma memória que contraria inevitável e inexoravelmente a realidade, uma realidade que é bem real e concreta e que não demonstra quaisquer contemplações com lamechices do género?

E isso leva fatalmente a uma outra questão: quem é que compra os actuais Cure? A geração dos 20 anos? Dos 15? A pensar que sim, que são esses mesmos, ouvirão eles as antigas canções? Dizem-lhes alguma coisa?

Em suma, achariam eles porventura alguma graça se Smith decidisse arrancar a cabeleira momentos antes do concerto e o tocasse por inteiro com cabelo à escovinha?