15.10.07

O divórcio europeu

O que se está passar relativamente ao “novo” tratado europeu é demonstrativo do divórcio evidente entre as elites europeias que governam em Bruxelas e a plebe que é por elas governado.
Têm sido crescentes as vozes críticas desse divórcio, quer ao nível interno, quer externo.
Internamente, Pacheco Pereira, António Barreto e Miguel Sousa Tavares pronunciam-se com frequência sobre a independência do processo decisório europeu dos povos da própria Europa.
O que está agora a acontecer é sintomático. Senão repare-se:
O Tratado Constitucional foi, para espanto dos burocratas de Bruxelas, chumbado por diversos países no processo referendário que teve lugar há dois anos. Tal foi suficiente para interromper esse processo, uma vez que a divergência manifestada por alguns países face ao tratado significava a impossibilidade de o mesmo vigorar igualmente nos vinte sete membros da UE.
Seguidamente a um período de alguma incredulidade e desorientação, os espíritos iluminados de Bruxelas logo encontraram uma forma de ultrapassar o problema criado pelas divergências sentidas: vender um mínimo denominador comum aos diversos Estados e chamar-lhe mini-tratado (designação ridícula, aliás) ou tratado revisto. Deram, por sua vez, por absolutamente adquirido que o novo texto – expurgado das partes mais discutidas – seriam aceites por todos e logo trataram de iniciar um novo processo com vista à respectiva aprovação.
É, pois, nesse esforço diplomático desenfreado que o MNE português se encontra, devidamente acompanhado pelo primeiro ministro, tentando convencer países que por princípio se opunham ao tratado, caso, por exemplo, da Polónia.
A comunicação social traz ecos de vitória diplomática sempre que esse esforço consegue alcançar bom porto, como se o futuro (sucesso e bem-estar) da UE estivesse dependente de um texto, que, de resto (e não sem coincidência) é absolutamente desconhecido da esmagadora maioria dos cidadãos europeus – em última análise, os seus destinatários últimos.
Pergunto porque motivos insondáveis o processo adoptado é este e não outro, mais transparente e democrático. Numa democracia participativa, não teria muito mais lógica explicar e discutir primeiro e votar depois? Vamos por partes.
O impulso legislativo europeu está transferido para as instâncias comunitárias, pelo que devem ser elas a assumir essa responsabilidade. Como tal, se os responsáveis europeus pensam que o tratado é uma necessidade para a Europa, cabe-lhes fazer o que está ao seu alcance para o instituir. Todavia, não é isso que se discute, mas sim o facto de o processo de discussão e esclarecimento não ter lugar nos diversos países da UE, apenas tendo lugar nas referidas instâncias comunitárias, sem que a população seja directamente envolvida.
Quanto a este envolvimento, não significa o mesmo que tenha forçosamente que existir um referendo. De resto, parece-me que é impossível que haja um referendo responsável com o grau de desconhecimento que grassa em Portugal no que respeita ao tratado que aí vem. Houvesse mais debate e a minha opinião seria diferente. Porém a questão é mesmo essa. A da falta de debate, de promoção da discussão de ideias, como forma de envolvimento do povo português (e europeu em geral) nas matérias europeias.
Por tudo isto, não consigo compreender como é que o PR, que, independentemente de com ele se concordar, é uma pessoa responsável e consciente, defende à boca cheia o sucesso dos contactos diplomáticos com vista à votação do tratado.

(continua)