25.10.07

Deamblogações nocturnas


Nunca tive veia de diplomata. Aliás, sempre me fez um pouco espécie como por vezes se tem de engolir tantos sapos em troca de um bom acordo económico ou político. É com um misto de negação e admiração que olho para alguns casos históricos ou actuais da diplomacia, pensando que eu seria incapaz de o fazer. Mas, enfim, cada um tem os seus dotes. Ou não...
Isto para dizer que, independentemente da visão que se tenha sobre a arte da diplomacia, continua a haver episódios que me fazem questionar a hierarquia de valores neste mundo cada vez mais complexo e em que esses valores bastas vezes nos aparecem com pouca nitidez. Um exemplo: a visita de Putin a Portugal, facto que me suscita algumas perguntas.
Primeira pergunta: é inocente o tempo da visita? Claramente que não, porque Portugal preside à UE. Segunda pergunta: a embaixada cultural e económica de cerca de mil pessoas que acompanharam o presidente russo vieram para trocar ideias e projectos? Não sei, mas duvido. Parecem os portugueses mais interessados em investir na Rússia do que ao contrário. Terceira pergunta: a visita a Portugal é uma visita de Estado (ou seja, a Portugal) ou é uma visita com o propósito bem definido de estar presente na cimeira UE - Federação Russa que irá ter lugar em Mafra? Quarta e última pergunta: em qualquer dos casos, tem sentido confundir as diferentes naturezas da visita? Detenhamo-nos nestas duas últimas questões.
Portugal é o país presidente em exercício da UE. Faz, por isso, todo o sentido que receba o presidente da Rússia e que patrocine a cimeira entre ela e a UE. Até aí tudo bem. No entanto, questiono-me se fará sentido colar este pretexto a uma visita de Estado, com tudo o que isso implica, nomeadamente a recepção com honras de Estado por parte do Presidente da República, bem como outro tipo de iniciativas como sejam jantares oficiais, inaugurações de museus e quejandos. Porquê? Por uma razão simples: é que por muito que seja uma realidade a importância (quer para a Europa, quer especificamente para Portugal) das relações com a Rússia, a verdade é que neste momento este é um país onde existem perseguições políticas, mortes por explicar, constantes violações dos direitos humanos, em suma, uma espécie de ditadura democrática, inventando um conceito em si mesmo contraditório. Ora, o que é que faz o chefe de Estado da nação que tem orgulho em dizer que foi o primeiro país a abolir a pena de morte? Recebe pomposamente o Sr. Putin, como se de um amigo se tratasse. Tenho, de resto, para mim que os termos «amizade» e «relações económicas privilegiadas» (entre outros do tipo) terão sido utilizados à saciedade por ambas as comitivas, em especial pelo nosso PR.
E é isto que me revolta. Há semanas atrás o mesmo PR (sublinho isto) não recebeu o Dalai Lama para não ferir susceptibilidades - leia-se, os interesses económicos de Portugal e da UE com a China. Mas agora, vá-se lá saber porquê, recebe o presidente da Federação Russa com honrarias de Estado, para nada importando o que tem sucedido nos últimos anos. Não é bom acreditar em tudo o que se ouve e lê. Mas é inegável que a Rússia não é hoje uma democracia, pelo menos como nós nos habituámos a ver as democracias (se é que o termo é plurissignificante). E isso, do meu ponto de vista, tem que ser tido em conta, sob pena de sermos umas prostitutas de um mundo que de tão complexo, perde definitivamente a sua hierarquia de valores. Aqueles valores que eu reputo como fundamentais num Estado de Direito democrático que é aquele em que eu acredito viver.
Andou mal o nosso PR. E prestou um mau serviço à nossa democracia. Era de esperar que não alinhasse. Mas provavelmente não pôde. Quero acreditar que não pôde. Embora isso levante uma outra questão, que se prende com as ingerências comunitárias no domínio interno da nossa política. Mas isso são contas de outro rosário.