Há dois dias vi quase na íntegra a entrevista que Carvalho da Silva deu à jornalista da SIC Ana Lourenço. Duas ideias me vieram então à cabeça.
Em primeiro lugar, aquele homem que estávamos habituados a ver como vindo da metalurgia e do operariado (o, ainda, sempre Carvalho da Silva), desapareceu há muito. Dele (ou nele) surgiu um homem polido, correcto, conhecedor das matérias, bem falante, que sabe como ninguém do que fala, mas que não assenta apenas o seu saber na experiência de uma vida, antes a fundamentando com um conhecimento teórico sólido. Para isso contribui decisivamente o percurso de vida do próprio, nomeadamente o facto de a determinada altura ter sentido a necessidade (não sei se empurrado ou não, mas isso não interessa) de se licenciar (no ISCTE, como seria de esperar...) e posteriormente de prosseguir os seus estudos, tudo culminando no doutoramento que se prepara para defender. É realmente um exemplo de evolução pessoal e profissional que fala por si e que merece ser objecto de reflexão, especialmente por todos quantos o seguem de perto.
Mas tive igualmente um outro pensamento: aquele homem que irritava quem dele discordasse - e, diga-se, não apenas pelo que defendia, como pela forma como o fazia - adulcicou-se e tornou-se (pelo menos) tragável. De há uns anos para cá, e não são muitos, passou a ser possível ouvir Carvalho da Silva. Goste-se ou não, concorde-se ou não. O que é interessante é que se operou nele uma mudança que leva a que quem com ele tem de se confrontar o faça num plano elevado no qual o próprio nem sempre se movimentou.
Discordo, em algumas coisas profundamente, das ideias propugnadas pela InterSindical e pelo seu líder em particular. Mas, tal como ouvia Bagão Félix dizer hoje pela manhã a propósito da greve geral, talvez as lutas que travem sirvam de facto para alguma coisa. E a única forma de valerem é terem à sua frente gente capaz que consiga discutir ideias num plano elevado e não de achincalhamento e demagogia permanente, como se vê na esmagadora maioria das vezes.
Carvalho da Silva pensa errado, do meu ponto de vista. Mas isso não lhe retira mérito, nem tão pouco um lugar de destaque na vida política e social portuguesa. Assim percebessem e imitassem os restantes responsáveis sindicais que o vêem como um líder incontestado.